Consegui um estágio internacional. E agora?!
Costumamos sonhar em trabalhar na ONU ou em uma Organização Internacional. Idealizamos o máximo possível, até o dia que nos deparamos com a realidade: é possível sim conseguir uma oportunidade inicial – um estágio não remunerado – mas como podemos sobreviver em uma cidade no exterior sem receber nada por isso? Saiu na BBC: Como um estagiário das Nações Unidas foi forçado a viver em uma tenda em Genebra.
Constatações preliminares
A porta de entrada em uma Organização Internacional, como a ONU, é concorrida. Muitos jovens de todas as nacionalidades querem ter uma experiência interessante e enriquecedora por meio do estágio que é oferecido nesses órgãos. Depois de um processo seletivo que demora cerca de três a seis meses, ser escolhido é uma grande realização para o estudante. Aparentemente, poder estar próximo desse ambiente de trabalho já seria uma grande honra - a experiência que se adquire “não tem preço”. Literalmente, o pensamento dominante é “até pagaria para trabalhar nesse lugar!”.
Ao contrário do que conhecemos aqui no Brasil, no exterior a política de estágio é não-remunerada. Por vezes, é computada como experiência acadêmica na prática, requisito indispensável nos créditos da graduação ou até mesmo de pós-graduação. Esses estágios, em especial para estrangeiros que vão para um país especificamente com esse propósito, são “full-time” (ou seja, de 9 am às 5 pm - ou às vezes até mais!).
Aqui, no Brasil, isso seria considerado trabalho voluntário (muito além da carga permitida), mas é importante diferenciar que trabalho voluntário na ONU é só para quem já possui diploma de graduação, dois anos de experiência profissional, domínio do inglês-francês-espanhol e mais de 25 anos. Essas oportunidades de voluntariado podem surgir em qualquer canto do mundo (literalmente!) e os estágios se concentram nas principais agências da ONU - em Nova Iorque e em Genebra. As duas cidades, grandes referências internacionais, possuem altos custos de vida.
A vida como ela é
A princípio, você pensa: “Essa é uma oportunidade única na minha vida! É caro, mas por três meses dá - junto minhas economias ali, peço ajuda dos meus pais e tento viver no padrão mais simples possível”. Quando lhe oferecem a vaga, informam que não há ajuda de custo alguma e perguntam se você tem recursos próprios para se manter durante o estágio. Você pensa “claro, é só eu comprar a passagem e ir, lá eu dou um jeito!”. Mas, quando você começa a ver os pormenores desse orçamentos… (i) os preços de aluguel são inconcebíveis se comparado aos nossos parâmetros; (ii) se você morar mais afastado para conseguir um preço melhor, gastará mais em transporte; (iii) você precisa separar ainda uma quantia considerável para não passar fome. Estamos falando apenas do básico, nada de lazer, passeios e afins. O neozelandês, de 22 anos, na reportagem da BBC admite: “Acho que meu planejamento orçamentário não foi realista no final das contas. Era mais caro do que eu imagina. Eu pensava que eu poderia encontrar uma maneira bem barata de viver, mas para ser honesto eu acabei vivendo em uma tenda”.
Sobretudo, quando apostamos em uma experiência desse nível, temos grandes expectativas. O neozelandês conta “eu tinha esperança em conseguir uma posição remunerada, porque eu acredito que meu trabalho pode sim ser valorizado”. Nem sempre essas expectativas correspondem à realidade e as chances de contratação, hoje em dia, são pequenas.
Investimentos e escolhas
Já estive nessa situação. Fui aprovada para dois setores na Organizações dos Estados Americanos (OEA), fui selecionada para o Programa de Capacitação Acadêmica da Missão Brasileira na ONU de NY e também fui aceita para trabalhar no CSIS, um grande Think tank norte-americano situado em Washington (neste último caso, receberia uma ajuda de custo, mas não suficiente para arcar com todas as despesas do local. Quando é iniciativa privada, também se torna mais complicada a questão de visto). Com grande pesar no coração, tive que dizer não para essas quatro oportunidades - ou então, só me restaria viver em uma tenda também (principalmente com a alta cotação do dólar). Para mim, independentemente de quanto eu quisesse ir, o custo benefício da experiência não compensava - temos de fazer escolhas.
Mas se você quiser acreditar no investimento, precisa colocar na ponta do lápis o que seria essa experiência que “não tem preço” (de tão cara que é!). Para cada um, os pesos dessa balança podem ser diferentes. Seguem alguns critérios:
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Você pode custear o período de três a quatro meses sem grandes sacrifícios?
Se sim, vá. Se a resposta é negativa, continue analisando (não desista sem tentar!)
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Os esforços que você realizará (mudança de país, gastos e disponibilidade de tempo) compensam o valor da oportunidade para você?
Se sim, vá. Tem dúvidas? Considere os aspectos abaixo.
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É a primeira experiência internacional no seu currículo?
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É a primeira experiência em uma Organização Internacional?
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O estágio está diretamente ligado a sua área? Você pretende trabalhar com isso no futuro?
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Você sabe quais tarefas irá desempenhar lá? Estão próximas do que você realmente gostaria de fazer, sem ser pago por isso?
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Você pode obter esses conhecimentos em outro lugar?
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Você pode ter uma experiência similar em outro momento da vida?
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Você pode utilizar os recursos que possui em uma experiência que lhe forneça uma base mais sólida, como uma pós-graduação no exterior ou outras formas de aprimoramento acadêmico-profissional?
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Você se vê vivendo nessa cidade (ou região mais afastada onde pode morar) no período do inverno ou no período do verão?
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Você já tem algum contato ou conhecido nessa cidade?
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Você conhece outras pessoas que já passaram pela mesma experiência e podem lhe dar sugestões?
Diagnóstico atual
Quantos profissionais brilhantes deixam de ser conhecidos por não poderem arcar com uma oportunidade assim? Hoje, poder estagiar em um organismo internacional se torna um privilégio. É triste poder atestar que questões financeiras cerceiam o sonho de muitos.
Por ser uma oportunidade concorrida e requisitada no exterior, tais organismos obtém os melhores perfis de estagiários como “mão-de obra rotativa”, uma força de trabalho sem perspectiva nenhuma de permanência naquele local e que por vezes ocupa a vaga de um contratado. No Brasil, foi aprovada a proposta em que o estágio não remunerado é proibido; a comunidade internacional também vem percebendo a tênue linha entre um estágio para “ganhar experiência” e pura exploração. Até que ponto vale se sujeitar a esse contexto em prol de aprimoramento profissional?
Um exemplo dos mecanismos que são utilizados para perpetuar esse sistema é o Programa para Jovens Profissionais da ONU (YPP), que em seu edital estabelece ser necessário apenas graduação na área. Na prática, os aprovados já tem mestrado e bastante experiência de trabalho - o nível de qualificação da concorrência é altíssimo e a primeira “peneira” do processo seletivo contempla aqueles com melhor background, em especial quem já teve experiência prévia (leia-se, não remunerada) em Organizações Internacionais.
Isso demonstra algumas questões estruturais acerca do tema do primeiro “emprego” e da inserção de jovens no mercado de trabalho. Dentro das Nações Unidas, apenas a OIT (Organização Internacional do Trabalho) remunera seus estagiários, por razões óbvias - mas porque a organização não pensa em formular políticas mais favoráveis aos estagiários? Se, dentro dos quadros orçamentários, é complexo remunerar todos que se dispõem a trabalhar na ONU, porque não prover uma ajuda de custo realista com os gastos de cada cidade ou montar um centro de residências rotativas para estagiários e profissionais visitantes? Também não existe nenhum apoio para a adaptação das pessoas que aceitam custear uma experiência assim - você recebe poucas informações e tudo em cima da hora! Dessa forma, as passagens já estão caríssimas, você não sabe como encontrar um lugar decente para viver nessa região que desconhece, você não tem tempo hábil para angariar recursos… Os candidatos selecionados são informados apenas com um mês de antecedência e devem confirmar de pronto a sua participação. Também existem várias limitações para obter patrocínio ou outros tipos de suporte para essa experiência, o que deveria ser repensado.
Temos duas opções:
i. continuarmos concordando com essa prática, sonhando e adulando como é bonito ter uma oportunidade assim - e irmos construindo um currículo de experiência em experiência não remunerada até um dia termos a sorte de sermos contratados;
ii. admitirmos que essa estrutura é concebida para quem pode pagar pela experiência - um estágio internacional não é acessível para qualquer um e, paradoxalmente, pode ser considerado um pressuposto para carreiras internacionais. Temos um déficit democrático na porta de entrada das Nações Unidas.
Saiba mais sobre “Como Trabalhar nas Nações Unidas”.