The Hague Academy of International Law
Eu sinceramente não sabia o que me esperava. Parece até clichê, mas essa viagem se encaixa perfeitamente com aquela frase: ‘Quando você acha que sabia todas as respostas, vem a vida e muda as perguntas.’ Viajei na cara e na coragem. Sem pais, sem irmãos, sem primos, sem família, sem amigos. Pela primeira vez na vida eu viajei sozinho, sem ninguém conhecido me acompanhando. Eu literalmente voei para bem longe da minha zona de conforto. E sinceramente? Foi a melhor coisa que eu já fiz na minha vida. Eu posso dizer sem medo e sem dúvidas: foi à melhor viagem que eu já fiz em toda minha vida.
Mas vamos ao início: Como todo apaixonado por direito internacional, obviamente eu já tinha ouvido falar em Haia e sobre a Corte Internacional de Justiça. Mas não fazia idéia que eles ofereciam um curso de direito internacional. Eu descobri ao acaso: no final de 2012, o Globonews exibiu uma reportagem falando sobre direito internacional e em uma das partes foi mostrado o Palácio da Paz. Naquela hora pensei: ‘Como será que faz para trabalhar lá? Será que tem estágio?’ E foi ai que me surgiu a página do Nuffic, entidade estudantil de ensino superior holandesa, falando sobre o summer courses. Assim, fazer o curso de direito internacional da Hague Academy tornou-se uma das minhas metas para 2013.
A inscrição feita com antecedência é o diferencial – o prazo abre início de novembro e se encerra no final de janeiro. O que é necessário para estudar lá?
The Summer Courses are open to:
- Candidates who have completed at least 4 years of university studies, which must have included lectures on international law, and who can prove to the Curatorium that they possess sufficient knowledge of the subject.
- Candidates holding a 3-year law degree on the date of the opening of the upcoming Summer Courses. All candidates must master the working languages (French or English).
Os alunos selecionados tem um background bastante variado: das mais diversas nacionalidades e experiências com o Direito Internacional, todos entendem muito do assunto e a maioria encontra-se em nível de mestrado/doutorado. Como faço para participar do processo seletivo? Veja as instruções no site da Academia. As taxas são: 1110 euros para cada session; 2000 euros para as duas (Público e Privado)1.
O processo com solicitação de bolsa é mais complexo e concorrido. Caso precisem de mais informações, os responsáveis respondem os emails com rapidez e sempre ajudam a solucionar nossas dúvidas.
E por fim, chegou o dia da viagem, que foi tranqüila e sem problemas. O Schiphol, o aeroporto de Amsterdam, só tem um detalhe: o seu tamanho colossal. Eu desembarquei em uma ala que era em uma extremidade, e o despacho de bagagens era na outra extremidade. Até percorrer tudo e conseguir descobrir a direção correta foi necessário quase meia hora. E foi assim que eu tive minha primeira grata surpresa nos Países Baixos: como eu fui um dos últimos a chegar, minha bagagem estava devidamente separada perto da ala de seguranças, com 2 deles protegendo a mala, esperando o dono chegar e se identificar. Melhor impossível.
Viajar para Haia também foi tranqüilo: basta pegar o elevador e ir para o subterrâneo, onde fica a estação de trem, e esperar pelo trem que vai para ‘Den Haag’ (Haia em holandês).
A viagem é rápida: 30-40 minutos. Ao chegar ao Central Station de Haia verifiquem o painel eletrônico que fica em cima do guichê de bilhetes: ele mostra cada um dos trechos de tram que passam pela cidade e o horário exato que eles vão sair da estação. E quando eu digo exato, é exato: eles são altamente pontuais, chegam exatamente no horário mostrado.
Durante o curso de Public International Law eu morei num hostel, perto de Kurhaus, a avenida onde fica a praia mais famosa da Holanda, que se chama Scheveningen (eu entro em detalhes sobre ela daqui a pouco). Só que ao chegar ao hostel, havia um problema: naquela época o local estava passando por uma reforma e eu tenho rinite alérgica. Ou seja: não foi uma combinação boa. Porém, ao conversar com o pessoal da Academia, eles resolveram meu problema e consegui um novo local para morar durante o curso de Private International Law. Um das várias dicas que eu vou sugerir: caso vocês venham a estudar na Hague Academy, sempre conversem com os responsáveis da Academia, não tenham vergonha em pedir ajuda e informação, eles sempre vão ajudar e tentar solucionar seu problema, por mais difícil que ele possa parecer.
Depois de ter me alojado e arrumado minhas coisas, acabei conhecendo meu primeiro amigo: Marco Aurélio, estudante da USP. Por causa dele é que eu acabei conhecendo a grande maioria dos meus futuros amigos. Explico: havia um grupo no Facebook só de alunos que iriam participar das Summer sessions, cuja existência eu não sabia até aquele momento. E que naquela tarde haveria o 1° encontro de alunos em frente aos portões do Palácio da Paz. Ao chegarmos ao local, acabei conhecendo uma nova amiga, que estava em um verdadeiro estado de êxtase tanto quanto eu: a dona desta página, a bebê prodígio, Agatha Brandão. Ficamos nós 3 conversando, tirando fotos, mas ela acabou indo embora passear sozinha pela cidade com a hostmother.
Passado 20 minutos, começou a reunir em frente aos portões um verdadeiro bloco de carnaval: tinha gente de todas as nacionalidades possíveis que se possa imaginar: americanos, franceses, italianos, russos, indianos, quenianos, argentinos, chilenos, peruanos, australianos, chineses, espanhóis… e brasileiros. Muitos brasileiros. Para se ter uma idéia da quantidade de brasileiros, éramos o 2° maior grupo de Public Law (33 pessoas, só perdendo para os franceses), e o maior grupo de Private Law (35 pessoas).
Decidimos ir ao Grote Markt, uma região no centro da cidade repleto de bares (vale a pena conhecer, a parte onde fomos é em uma praça rodeada de pubs, bistrôs e restaurantes, pra todos os gostos e bolsos e às vezes com música ao vivo).
Vamos ao que interessa: o curso. O dia seguinte foi agradável: o fato de você já conhecer alguns rostos era tranqüilizador. Ter com quem conversar sobre os assuntos após cada aula se tornou uma diversão diária. Eu demorei no início para me acostumar a ter que assistir aulas em outro idioma – inglês/francês. Aliás, não só eu como muitos outros estudantes. Então não se assustem com isso no 1° dia, é comum isso acontecer. Eu mesmo só consegui acompanhar de verdade as aulas a partir do 3° dia.
Como em 2013 foi o centenário da Hague Academy, as aulas foram bastante diversificadas, tendo espaço para vários assuntos, de limites e fronteiras até comercio internacional. Apesar do General Course de International Public Law ter sido com o famoso James Crawford, professor de direito internacional de Cambridge, para mim (e para muitos outros) a melhor aula foi com o professor Jean-Marc Sorel. Segue abaixo a lista de cursos que tivemos em Público, por exemplo:
- James Crawford’s General Course – The Course of International Law: Practice and Process of The Law of Nations
- L’article 103 de la Charte des Nations Unies – Robert Kolb
- The Role of Domestic Judges in the Development of International Law – Anna Wyrozumska
- The international law of global governance – Eyal Benvenisit
- What Normativity for the Law of International Monetary and Financial Relations? – Jean-Marc Sorel
- The Law of Nationality and the Law of Regional Organisations for Integration: Towards New Types of Status for Residents? – Bruno Nascimbene
- The Protection of Individuals in the Event of Catastrophes – Ki Gab Park
- Direct Studies
Outro ponto interessante da Hague Academy é a sua biblioteca – Peace Palace Library: além do acervo físico, existe o acervo digital. Você tem disponível para download uma variedade incrível de obras, coletâneas e artigos (desde direito desportivo até dados relativos às normatizações em direito internacional do começo do século passado). E, acredite, o acervo é extraordinário (para conseguir baixar uma boa quantidade de arquivos, eu e mais um grupo de amigos nos dividimos para fazer os downloads!).
Além disso, à tarde ocorrem aulas não obrigatórias (the afternoon seminars), que são bastante interessantes de assistir (por exemplo: o professor Crawford promoveu um seminário a tarde sobre formas de soluções pacíficas para o caso Israel VS. Palestina).
A Academia também incentiva bastante a integração e a amizade entre os alunos, promovendo várias atividades. Entre elas estão as visitas programadas, onde se tem a oportunidade de conhecer as embaixadas (dica: assim que receberem o email sobre as vagas de visitas as embaixadas responda na mesma hora!!! São poucas vagas, e são vagas concorridas. Mas se mesmo que você não consiga uma vaga, tente ir com o seu crachá da Academia), além de órgãos internacionais, como o International Criminal Court, as cortes Ad Hoc (International Criminal Tribunal for the former Yugoslavia e International Criminal Tribunal for Sierra Leoa), a Organization for the Prohibition of Chemical Weapons (OPCW), e, caso você tenha sorte, ter a oportunidade de assistir uma audiência na própria ICJ.
Mas nem tudo é estudo, e existiram os momentos de lazer, que até a própria Academia proporciona: a Beach Party e o World Cooking Day. A Beach Party ocorre no final da segunda semana, na praia Scheveningen, no Whoosah Club (prepare-se para uma longa caminhada: o local fica no final do lado direito da praia), e o World Cooking Day é sempre na última semana do curso, onde cada uma das nacionalidades prepara um prato típico de seu país, que será servido na hora do almoço junto aos demais (eu e meu grupo servimos caipirinha e brigadeiro, tanto no public quanto no private).
Eu poderia escrever várias páginas sobre meus dias em Haia, mas acho que com esse pequeno resumo já é possível ter uma noção de como é uma experiência mais que válida. Caso queiram mais informações, fiquem a vontade em me contatar (por email).